“Cosmo- o quê?” – Herman Dooyeweerd para não iniciados (I)

Entre os cristãos que estudam teologia, apologética e filosofia, o nome do holandês Herman Dooyeweerd já não causa tanta estranheza. Embora a obra da chamada “tradição reformada escocesa” certamente predomine entre aqueles que se debruçam sobre a teologia sistemática, a “tradição holandesa” (ou neocalvinista) vem ganhando espaço, sobretudo em círculos mais “apologéticos”. A ênfase em conceitos como “cosmovisão” e “pressuposições” reflete a influência do neocalvinismo, tradição no qual foram concebidos, reformulados e/ou amplamente disseminados.

Herman Dooyeweerd é, por assim dizer, o grande pensador deste período, entre os séculos XIX e XX, em que o neocalvinismo floresceu e experimentou seu auge. Até mesmo um de seus adversários intelectuais se viu obrigado a reconhecer que “sem qualquer exagero, Dooyeweerd pode ser considerado o filósofo mais original que a Holanda jamais produziu, sequer excetuando Espinosa”. Evidentemente, ele não foi o único representante ilustre do calvinismo holandês, tampouco o primeiro. Antes dele, Guilherme Groen van Prinsterer e Abraham Kuyper abriram o caminho para a ressurgência da fé e do pensamento reformado na Holanda, dando ao calvinismo a interpretação peculiar e abrangente que se tornou característica da tradição holandesa. Para compreender Dooyeweerd, portanto, é preciso compreender o neocalvinsmo.

Sob a ótica do calvinismo holandês, a religião cristã não se restringe à esfera eclesiástica e teológica, mas constitui uma verdadeira cosmovisão, uma força cultural (dynamis) que informa e dirige todos os ambitos da vida humana. A partir dessa perspectiva abrangente, os neocalvinistas defendiam um ativo engajamento cristão nas diversas esferas da sociedade – inclusive a política, a educação, a arte e a ciência –, em obediência ao seu mandato cultural.

Esse engajamento cristão, contudo, não poderia ser concebido como um envolvimento passivo e acrítico na vida cultural. O cumprimento do mandato recebido na criação deve levar em conta a realidade esmagadora da queda e o advento glorioso da redenção realizada por Deus Pai, por intermédio de Jesus Cristo, no poder do Espírito Santo. O motivo bíblico da criação-queda-redenção implica a existência de uma divisão radical: de um lado, a raça humana caída em Adão e, de outro, a nova humanidade redimida em Cristo. E, assim como a comunidade humana apóstata caminha segundo o curso deste mundo, também a atuação cristã nas diversas esferas da sociedade deve proceder da sua nova fonte de vida, da sua união radical com Cristo e com os demais remidos.

Se o mandato cultural e o dever cristão de engajamento importam a necessidade de diálogo, a realidade da oposição entre fé e apostasia tornam necessário que o crente mantenha-se em uma relação de antítese com a cultura mundana. Se, de um lado, o cristão não pode isolar-se em uma versão moderna do monasticismo medieval, ele também não pode aceitar qualquer possibilidade de “casamento” (síntese) entre a fé cristã e a cosmovisão apóstata. A tarefa do crente consiste, pois, em oferecer uma resposta distintamente cristã às demandas culturais de sua própria época, submetendo todas as áreas da vida ao senhorio de Cristo.

Herman Dooyeweerd não apenas se insere nessa tradição neocalvinista, mas se propõe a apresentá-la na forma de uma complexa filosofia sistemática a partir da qual todo o pensamento ocidental pudesse ser reformado e reerguido sobre bases distintamente cristãs. A esse sistema filosófico Dooyeweerd chamou filosofia da ideia cosmonômica.

Nos próximos posts, tentarei esclarecer o significado da expressão “ideia cosmonômica” e os principais elementos da filosofia sistemática de Dooyeweerd.

Título: “Cosmo- o quê?” – Herman Dooyeweerd para não iniciados (I). Autor: Vinícius Silva Pimentel. Original: http://wp.me/p3EYR9-1tPermissões: Você está autorizado a reproduzir e distribuir este material em qualquer formato, desde que inclua estes créditos, não altere o conteúdo original e não o utilize para fins comerciais.